VIDAS INTERSEXO: ALANA UMA JORNADA DE RESILIÊNCIA E AUTENTICIDADE

A sociedade precisa aceitar os intersexo como terceiro sexo e acabar com a discriminação

“Desde a infância, sentia-me diferente e era frequentemente confundida pelas pessoas.” Alana, uma cantora brasileira intersexo, relata sua jornada de autodescoberta e as dificuldades enfrentadas devido à falta de aceitação da sociedade em relação aos intersexo no Brasil e mundo. Além disso, ela destaca a importância de educar as pessoas e eliminar a discriminação, a fim de criar uma sociedade mais inclusiva.

“Quando minha mãe me apresentava para alguém na rua, eu via a reação estranha delas. As pessoas tinham receio, uma coisa muito esquisita”, conta ela. A confusão e falta de compreensão eram frequentes, e Alana teve que enfrentar os estereótipos impostos pela sociedade desde cedo.

 A descoberta da intersexualidade e a busca por informações

Inicialmente, Alana revela que descobriu ser intersexo na adolescência. “Aos 13 anos, tive um sangramento pelo pênis dentro da sala de aula, o que me levou a me afastar da escola.” Os médicos diagnosticaram sua condição intersexo e ofereceram duas opções: remover seus ovários ou tomar testosterona para masculinizar seu corpo. Ela foi forçada a tomar testosterona, mas seu corpo não se adaptou completamente ao hormônio. No entanto, devido à falta de informação e compreensão, sua vida foi impactada negativamente. É evidente que a sociedade ainda tem dificuldade em reconhecer os intersexo como um terceiro sexo legítimo. Por consequência, isso resulta em equívocos  e discriminação.

 Vivendo na Espanha e encontrando liberdade

Com o apoio de seu pai, que entendia sua intersexualidade como algo geneticamente comprovado, Alana se mudou para o México, onde estudou jornalismo. Aos poucos, ela deixou de tomar testosterona (contra a vontade da família) e notou que seus ovários voltaram a funcionar. Após concluir seus estudos, Alana decidiu se estabelecer na Espanha.

Ao se mudar para a Espanha, Alana experimentou uma transformação em sua vida. Nesse novo ambiente, encontrou uma comunidade mais inclusiva e compreensiva. “Encontrei acolhimento no México e, posteriormente, mudei-me para a Espanha, iniciando minha carreira como jornalista e cantora.” Além disso, destaca a importância de ter acesso a profissionais de saúde que entendem a intersexualidade e fornecem o suporte necessário. Isso é diferente do que encontrou em seu país de origem.

 A busca por identidade e aceitação

Ao longo de sua vida, Alana enfrentou diversos desafios ao tentar encontrar sua identidade como uma pessoa intersexo. “Contra a minha vontade, acabei optando por tomar testosterona até os 18 anos.” Meus pais queriam que eu vivesse como Alan, como um menino. Inclusive, comecei a tomar testosterona semanalmente por via venosa. No entanto, mesmo assim, meu corpo nunca aceitou completamente o hormônio. Nunca desenvolvi barba, por exemplo, e minhas características físicas sempre mantiveram certas curvas femininas. Ela ressalta, nesse sentido, a pressão da sociedade para se encaixar em categorias binárias de gênero.  Isso só fomentou minha vontade de recomeçar em outro país Como resultado, essa pressão levou-a a questionar sua imagem e aceitação pessoal.

Os estigmas e preconceitos enfrentados pelos intersexo

Alana compartilha várias situações de discriminação e bullying que enfrentou por ser intersexo. Sofri bullying porque as pessoas não conseguiam me classificar. Usava roupas largas e tentava ser masculina. “Nunca convencia as pessoas de que era um menino. Muitos achavam que eu era uma lésbica vestida como homem. Foi uma fase muito difícil que me trouxe muitos traumas, inclusive da classe LGBTQIA+. Fui discriminada no Rio de Janeiro, onde cresci.” É fundamental, portanto, conscientizar as pessoas sobre a existência e a variedade dos intersexo. Somente assim podemos combater o preconceito e a estigmatização.

A busca por entendimento e o encontro com um especialista

Alana compartilha que seu principal objetivo ao procurar um médico era entender como seu corpo funcionava. Ao relatar sua história, o médico reconheceu a necessidade de um especialista em endocrinologia, especializado em. Ele explicou que um médico generalista poderia confundi-la, pois a clínica atendia principalmente pessoas com disforia de gênero. Alana elogia o tratamento cuidadoso e carinhoso que recebeu do endocrinologista, destacando a falta de estudos sobre intersexo durante sua formação.

“Mas o mundo não está preparado para isso. Apenas existem duas categorias predefinidas para se encaixar, e em poucos países há a possibilidade de reconhecer o terceiro sexo, que é o meu.” Na Espanha, durante todas as entrevistas, eles já sabiam da minha condição, mas devido à falta de informação, a sociedade me rotula erroneamente como trans.

O apoio para reverter a situação e preservar a fertilidade

Com o suporte do médico, Alana embarcou em uma jornada para reverter sua situação hormonal e permitir o desenvolvimento de características secundárias femininas. Ela decidiu também explorar a possibilidade de ter filhos e realizou cinco tentativas de congelamento de óvulos. Embora quatro delas não tenham sido bem-sucedidas, a quinta tentativa foi um sucesso, provando que a crença de que pessoas intersexo são estéreis é um equívoco. Alana destaca a importância de receber tratamento adequado e ressalta que, aos 40 anos, está disposta a contribuir para a causa intersexo com a Abrai, compartilhando sua história de resiliência.

Eu também apoio a causa trans, mas geneticamente sou do terceiro sexo, o que é muito complicado de explicar para as pessoas. É desagradável ouvir coisas como “Ah, mas você pode engravidar, pois você tem ovários?” É frustrante, porque as pessoas têm uma mentalidade binária, e muitos têm concepções equivocadas sobre mim, que são simplesmente resultado da falta de informação.

A exposição indesejada e a importância de contar a história com seriedade

Enquanto passava pelo processo de congelamento de óvulos, Alana enfrentou uma situação inesperada. Um funcionário da clínica divulgou sua história, o que atraiu a atenção da mídia. Eles ofereceram dinheiro para que ela contasse sua história na televisão, mas Alana recusou, reconhecendo a importância de tratar o assunto com seriedade. “Eu estou contando para você agora porque sei que é um caso sério e não sensacionalista. Acredito no trabalho da ABRAI e, aos 40 anos, estou disposta a contribuir para essa causa”. É por acreditar no trabalho da ABRAI que Alana compartilha sua jornada aqui, consciente de que é um caso sério e não sensacionalista.

 

 

A necessidade de reconhecer o terceiro sexo intersexo

Alana ressalta a importância de reconhecer e validar a existência dos intersexo como um terceiro sexo e a palavra intersexual como um gênero de quem é intersexo. Além disso, enfatiza que a compreensão e o respeito às diferenças são essenciais para criar uma sociedade mais igualitária e inclusiva.

Em suma, Alana encerra sua fala enfatizando a importância de combater a discriminação e o estigma enfrentados pelos intersexo . Além disso, destaca a necessidade de educar as pessoas e promover uma maior conscientização sobre a intersexualidade, para que todos possam viver em uma sociedade onde a diversidade é celebrada e respeitada. Por fim, Alana se coloca à disposição para contribuir com essa causa e apoia o trabalho da ABRAI em prol dos direitos dos intersexo.

“Eu não gosto de dizer nem que sou mulher. Eu sou uma variação da espécie humana. Todos meus aparelhos reprodutores funcionam perfeitamente. Eu sempre soube que eu era perfeita e normal, mesmo antes de conhecer a ABRAI. Que as pessoas entendam agora, com a ajuda da ABRAI, e que o mundo se torne mais aberto. Que as pessoas compreendam que os intersexo nascem e existem, independentemente de religião. Não somos aberrações, mas sim uma variação da espécie humana, existindo entre os sexos masculino e feminino. Tenho duas faculdades, não tenho nenhum problema no meu sistema cognitivo, e não tenho vergonha de ser quem sou. Pelo contrário, abraço com orgulho essa causa e estou muito feliz por ter a oportunidade de estar junto com a ABRAI.”

 

Entrevista. Matéria editada  – Lucas Bafoni Jornalista MTB 00094698/SP

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