O sexo dos anjos : representações e práticas em torno do gerenciamento sociomédico e cotidiano da intersexualidade

9 de junho de 2008 | Artigos | por Dionne Freitas
Resumo
Este estudo busca analisar o gerenciamento sociomédico e cotidiano da intersexualidade, bem como as representações e as práticas sociais acionadas nas decisões envolvendo a designação do sexo em crianças intersex. De um lado, trata-se de compreender as perspectivas, práticas e discursos de profissionais de saúde e, de outro, aqueles das famílias e jovens intersex. A partir da etnografia realizada em dois hospitais (um hospital brasileiro e outro francês), examino de que modo diferentes argumentos (hormonais, genéticos, sociais, morfológicos, psicológicos, entre outros) concorrem para as tomadas de decisão, de que forma acontece a organização do trabalho coletivo e as relações entre as diferentes especialidades médicas. No que se refere às famílias de crianças/jovens intersex e aos próprios jovens, analiso a maneira como estão inseridos nessas negociações, a forma de se relacionarem com a lógica biomédica, como percebem o corpo intersex e lidam cotidianamente com a intersexualidade. A pesquisa revela que, no contexto das decisões, o sexo surge enquanto uma “categoria médico-diagnóstica”, construída a partir de uma combinação de diferentes elementos. Há um tratamento mais ou menos homogêneo da questão no Brasil e na França e, embora se possa identificar ênfases diferenciadas em relação a determinados aspectos envolvidos nas decisões, nos dois contextos a genética e a biologia molecular vêm ganhando cada vez mais importância no processo. Identificam-se, ainda, embates em torno da nomenclatura “intersex”, os quais, entre outros aspectos, apontam para as “ambigüidades” e tensões que rondam a temática. Finalmente, o estudo demonstra que nem sempre as famílias e as pessoas intersex compartilham com os médicos a mesma perspectiva ou os mesmos critérios de classificação do sexo. Entre outras questões, no decorrer das trajetórias de “correções” e “regulações” corporais denuncia-se a insuficiência de um modelo que prevê categorias sexuais dicotômicas. Ao interpelar essas dicotomias, os debates em torno da intersexualidade escrutinam os limites ético-teóricos que circunscrevem o campo da bioética e dos direitos sexuais enquanto direitos humanos. Além disso, concorrem para a revisão de outras categorias binárias como sexo versus gênero, natureza versus cultura, verdadeiro versus artificial e humano versus não humano.

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