Marco histórico: Aprovação no Congresso Brasileiro reforça a importância da não cirurgia em bebês intersexo
Propostas para o fim das cirurgias em bebês intersexo são aprovadas na Conferência Nacional de Saúde
Na quinta-feira passada, no Congresso Brasileiro, ocorreu uma conquista significativa na luta pelos direitos das pessoas intersexo. A ABRAI foi representada pelo Dr. Walter Neto e pela psicóloga, membro do conselho da ONG, em uma reunião em Brasília com o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva. Durante a plenária da 17ª Conferência Nacional de Saúde, realizada na quinta-feira passada em Brasília, aprovaram-se duas propostas cruciais, pondo fim às cirurgias em bebês intersexo. Essas propostas estavam inseridas em dois eixos temáticos distintos: o eixo temático 3 – “Garantir Direitos e Defender o SUS, a Vida e a Democracia”, e o eixo temático 4 – “Amanhã vai ser outro dia para todas as pessoas”.
” As conferências nacionais de saúde estão se transformando em espaços cada vez mais representativos, com uma diversidade crescente de raças, etnias e gêneros”
A Conferência Nacional de Saúde desempenha um papel crucial ao definir diretrizes e propostas que orientam as políticas públicas relacionadas à saúde dos brasileiros nos próximos anos. Essas conferências fornecem direcionamento e norteiam a formação de novos pensamentos em políticas públicas. O Dr. Walter Neto destacou a representatividade da sétima conferência, observando como essas conferências nacionais de saúde têm se transformado em espaços cada vez mais representativos, com uma diversidade crescente de raças, etnias e gêneros.
Conquista Notável: Fim das cirurgias de imposição de gênero em bebês intersexo
As novas diretrizes e propostas aprovadas representam uma conquista notável para o movimento intersexo. A realização de cirurgias imposição de gênero em bebês intersexo tem sido uma prática prejudicial, privando essas crianças de sua integridade e desenvolvimento pleno e natural. Thais Emilia, presidente da ABRAI, compartilhou sua própria experiência, revelando a pressão médica que enfrentou quando seu filho nasceu pseudo-hermafrodita. Thais e seu esposo opuseram-se à cirurgia irreversível sugerida pelos profissionais de saúde.
“Graças o nascimento do Jacob, e a visibilidade que ocorreu essa proibição de cirurgias, graças militância com a causa intersexo”
A psicóloga Talita Fabiano de Carvalho, CRP 06/71781, ressaltou a violência e opressão na constituição da subjetividade de bebês intersexo. Ela salientou que nascemos como somos e, ao longo da vida, somos moldados por padrões e valores sociais. Essas construções equivocadas, determinadas por grupos historicamente hegemônicos, ignoram e aniquilam a subjetividade individual, causando profundo sofrimento psíquico e social e gerando sentimentos de não pertencimento e discriminação.
“A mutilação de bebês intersexo, além de antinatural (pois trata-se de uma condição biológica), é extremamente violenta e opressora na constituição de sua subjetividade. É um avanço importante proibir cirurgias no âmbito do SUS, pois comprometem a autonomia dos corpos e causam sofrimento psíquico e social”
A aprovação dessas propostas é um marco fantástico, permitindo que as crianças intersexo tenham a oportunidade de conhecerem a si mesmas e suas histórias, além de terem autonomia sobre seus corpos. Dr. Mila, especialista médica, ressaltou a importância de uma equipe multiprofissional para garantir um cuidado adequado às pessoas intersexo, envolvendo a família nas decisões clínicas e cirúrgicas e considerando sempre a voz da criança quando possível.
“É necessária uma equipe multiprofissional para garantir um bom cuidado da pessoa intersexo. A família precisa estar informada sobre os riscos e benefícios de cada procedimento.”
Eliane Garcia, cabeleireira e maquiadora, compartilhou sua história como mãe de uma criança intersexo. Sua filha, Manuelly, nasceu sem vagina, com metade dos testículos e dois úteros. Eliane relatou que, até o momento do nascimento da criança, nunca tinha ouvido falar sobre o que significava ser intersexo. Infelizmente, durante o atendimento médico, o urologista optou por remover os testículos da menina sem explicar adequadamente à mãe o que estava acontecendo.
Inicialmente, Manuelly foi encaminhada para a UTI, e Eliane não conseguia entender o que estava acontecendo naquele momento. Mais tarde, ela recebeu a explicação de que sua filha tinha extrofia esical, uma malformação congênita em que a bexiga fica para fora do abdômen. No entanto, nenhum profissional mencionou a questão da ausência de vagina ou testículos na criança. Ao longo do tempo, a menina passou por duas cirurgias para reconstrução do aparelho urinário, e, segundo Eliane, durante esses procedimentos, o urologista aproveitou para remover o saco escrotal sem esclarecer adequadamente sobre os órgãos internos da criança. Como resultado, Manuelly sofreu graves sequelas, incluindo infecções, incontinência urinária e fecal.
“Minha filha nasceu pseudo-hermafrodita, e sofri grande pressão médica para que ela fosse operada. Essa proibição é o primeiro passo para respeitar a dignidade desses bebês e combater a violência obstétrica que enfrentamos.”
Essa história serve como um alerta para os danos irreversíveis causados pelas cirurgias em bebês intersexo e destaca a importância de respeitar a autonomia dos corpos dessas crianças, garantindo que as famílias estejam devidamente informadas sobre os riscos e benefícios de cada procedimento proposto.
Shay, vice-presidente da ABRAI, destaca que essa conquista é um dia de celebração para todas as pessoas intersexo, representando um marco histórico para o Brasil e suas políticas públicas em relação à militância intersexo. Shay compartilha sua própria experiência como pessoa intersexo e enfatiza o impacto negativo das cirurgias realizadas na infância. Ele expressa sua esperança de que essa conquista traga uma mudança significativa na vida das crianças e bebês intersexo, garantindo um futuro mais respeitoso e inclusivo.
“Eu nasci intersexo e passei por duas cirurgias de resignação sexual em minha infância. Partes do meu corpo foram tiradas de mim, e eu era somente uma criança. A partir de hoje, a vida de crianças e bebês intersexo será diferente. Minha luta não foi em vão, estou extremamente feliz”
Essa aprovação representa um avanço importante na defesa dos direitos e na promoção da saúde das pessoas intersexo no Brasil. É essencial promover a conscientização sobre a autodeterminação de gênero e garantir o bem-estar físico e psicológico dessas crianças.
Entrevistas, conteúdo editado por Lucas Bafoni Jornalista MTB 00094698/SP
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