Intersexualidade no Esporte: Desafios e Impactos das Políticas de Verificação de Gênero

Uma análise das implicações das políticas de gênero no mundo esportivo contemporâneo.

25 de março de 2024 | Publicações | por Céu Albuquerque
Foto: Canva

O corpo humano não pode ser dissociado da cultura e da história que o cercam. É moldado por discursos específicos que enfatizam as diferenças biológicas, criando uma percepção de naturalidade em relação ao gênero. No entanto, esses discursos são construções sociais, não reflexos objetivos da realidade (GOELLNER, 2013).

A Construção Social do Gênero

A linguagem, a história intelectual e as estruturas sociais estão intrinsecamente ligadas ao conceito de gênero. A sociedade não reconhece a humanidade como um todo, mas exige que os indivíduos se encaixem em categorias binárias de homem ou mulher. Qualquer desvio dessas categorias é frequentemente estigmatizado como anormal ou patológico (SILVESTRIN, 2013).

Complexidade da Identidade de Gênero

É importante reconhecer que a identidade de gênero vai além das categorias binárias. Os indivíduos são moldados por uma variedade de fatores, incluindo etnia, classe social, religião e geração. Portanto, as noções de masculinidade e feminilidade são construções sociais que refletem as variações nas características biológicas e anatômicas (PIRES, 2015).

A Intersexualidade como Questão Biológica e Social

Embora a intersexualidade tenha raízes biológicas, sua gestão e compreensão ocorrem no contexto social. As experiências de intersexualidade abrangem uma ampla gama de corporalidades, relações e experiências de vida, que podem se manifestar em diferentes estágios do desenvolvimento humano (COSTA et al., 2014).

Evolução dos Termos e Diagnósticos

Os termos e diagnósticos relacionados à intersexualidade evoluíram ao longo do tempo, refletindo mudanças nas percepções sociais e médicas. Desde a introdução dos termos “intersexo” e “intersexualidade” no início do século XX até a adoção de termos mais descritivos e genéticos nos tempos contemporâneos, houve um esforço contínuo para compreender e abordar essa condição de maneira mais sensível e precisa (COOLS, 2018).

Desafios no Âmbito Esportivo

A intersexualidade no esporte é um tema complexo que evidencia as tensões entre definições de masculinidade e feminilidade na sociedade. O esporte, como uma instituição social, reflete e perpetua essas ideologias através da valorização da heterossexualidade como norma e da divisão binária entre homens e mulheres.

Políticas de Verificação de Gênero e Equidade Esportiva

Desde o início do século XX, as instituições esportivas têm implementado políticas de verificação de gênero para garantir a equidade na competição feminina. No entanto, essas políticas são controversas e frequentemente discriminatórias, buscando identificar o “sexo verdadeiro” dos atletas através de testes genéticos. Essas políticas têm falhado em compreender as complexidades das Diferenças do Desenvolvimento Sexual (DDS) e têm sido criticadas por sua falta de base científica e ética.

Os regulamentos resultantes dessas políticas são injustos e inconsistentes, muitas vezes indo contra os princípios fundamentais de justiça no esporte, como a não discriminação. Não há evidências conclusivas de que os níveis de testosterona, comuns em algumas condições intersexuais, confiram uma vantagem competitiva significativa. No entanto, as atletas intersexuais enfrentam discriminação e trauma emocional devido aos procedimentos de verificação de gênero, que frequentemente expõem suas vidas pessoais e podem resultar em exclusão do esporte, vergonha, depressão e até suicídio.

Em vez de buscar soluções baseadas em construções culturais mais inclusivas, as organizações esportivas continuam a buscar justificativas biomédicas para perpetuar normas de gênero binárias, ignorando as realidades e diversidades dos corpos intersexuais. O desafio reside em encontrar maneiras mais justas e sensíveis de lidar com a intersexualidade no esporte, garantindo a inclusão e o respeito pelos direitos humanos de todos os atletas.

Como afirmou Bruna Chaves, “Nós não temos nada muito diferente do que quando eu defendi a tese em dezembro. Porque nós temos duas linhas. Uma é o esporte de alto rendimento e a outra é como as pessoas intersexo se encaixam dentro desses esportes, principalmente os casos de atletas que têm hiperandrogenia e, devido a essa produção diferenciada de testosterona, são barradas em muitas competições. O que temos é uma normativa que saiu em março do ano passado da Federação Internacional de Atletismo, que reduziu ainda mais esse nível de testosterona para 2,5 nanomol. Isso restringe ainda mais a participação dessas pessoas com essas características. Em outras modalidades esportivas, as pessoas seguem o que o Comitê Olímpico e a Federação Internacional determinam. Quando ocorre algo, eles expõem o atleta, fazem uma série de investigações e então decidem se a pessoa pode ou não competir. Mas essa exposição da condição da pessoa é invasiva e muitas vezes agressiva. Agora, no esporte amador, que foi muito discutido, como no caso de Mayara e Dionne, entre outros atletas em categorias amadoras, que têm uma prática mais voltada para o condicionamento físico, lazer ou mesmo competição sem objetivos de alto rendimento, essas pessoas também enfrentam privações. Isso pode ser devido à questão da transgeneridade associada, questões de documentação ou falta de cirurgias. Dependendo do esporte, há uma exposição do corpo dessas pessoas. Eu sinceramente não sei como abordar isso de forma mais atualizada, pois o contexto não mudou muito. Infelizmente, ainda temos um pensamento muito atrasado, pois as pessoas ainda julgam com base na imagem corporal, sem compreender a intersexualidade. Esse julgamento não se limita à questão do sexo, mas está enraizado em preconceitos. É importante ressaltar que pessoas intersexo não devem desistir do esporte ou da atividade física. Elas têm o direito de persistir, independentemente de suas características corporais. Operações não devem tirar delas essa capacidade de praticar. Todos os corpos têm lugar na atividade física, pois isso faz parte da essência humana. Quanto ao seu caso, por exemplo, com essas duas condições, enquanto você for um atleta sem muitos resultados, não chamará atenção. No entanto, se tiver um desempenho excepcional, sua corporalidade pode começar a ser questionada. É injusto que outras vantagens biológicas não sejam questionadas, enquanto as vantagens hormonais são perseguidas, o que mostra como questões de sexo e gênero são discriminatórias contra pessoas intersexo. É importante ressaltar que pessoas intersexo não têm necessariamente vantagens comparadas a outras, pois nem sempre essas vantagens biológicas ou hormonais são otimizadas da mesma forma para todos, Por exemplo, eu posso produzir uma quantidade de testosterona, mas meu corpo pode não conseguir absorvê-la e convertê-la em energia, como normalmente ocorre com os homens.

Conclusão

As políticas esportivas relacionadas à intersexualidade frequentemente falham em reconhecer a diversidade e complexidade das identidades de gênero e sexualidade. É essencial adotar abordagens mais inclusivas e sensíveis, que garantam o respeito pelos direitos e dignidade dos atletas intersexuais.

Referência bibliográfica:

Chaves, B. S., & Mourão, L. (2021). OS INTERSEXUAIS NO ESPORTE DE ALTO RENDIMENTO. Apresentado no Seminário Internacional, UFSC – Florianópolis, Brasil.

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