Céu Albuquerque: Uma Jornada de Resiliência e Ativismo
16 de abril de 2024 | Publicações | por ABRAI
Céu Ramos de Albuquerque, nascida em (Recife, Pernambuco, em 1 de abril de 1991) é uma jornalista, ativista, engenheira civil e fotógrafa brasileira, reconhecida nacional e internacionalmente por seu trabalho. Céu é uma mulher intersexo, cisgênera e lésbica, nascida com hiperplasia adrenal congênita (HAC) virilizante simples, uma condição genética que afeta as glândulas suprarrenais.
Nascida com genitais ambíguos devido à exposição a hormônios andrógenos durante a gestação, Céu enfrentou desafios desde o início de sua vida. Passou seis meses sem registro de nascimento, aguardando um exame de cariótipo para determinar seu gênero, sendo finalmente registrada em 10 de outubro de 1991 como XX. A ausência de certidão de nascimento impediu o acesso de Céu ao tratamento da HAC, uma violação de direitos que poderia ter sido fatal em uma crise adrenal.
Transformei toda a minha dor, proveniente das violências que vivenciei, incluindo cirurgias e abusos, em um processo de cura, com o propósito de auxiliar outras pessoas e familiares de crianças intersexo.”
SOBRE INFÂNCIA
De origem pobre, Céu cresceu em Maranguape 2, bairro do município do Paulista, região metropolitana do Recife, filha de uma professora que dava aula de reforço para ajudar no sustento do lar, e filha de um representante comercial de produtos para supermercado. Céu teve uma infância complicada, devido à baixa imunidade causada pela hiperplasia, ela vivia constantemente doente e passou muitos momentos de sua vida hospitalizada.
Apesar de sua saúde ser bastante debilitada, Céu teve uma infância normal como qualquer outra criança, com um desenvolvimento escolar bom, aprendeu a ler e escrever na idade certa. Ao longo dos anos, sua imunidade foi melhorando e suas idas ao hospital se tornaram mais raras, indo apenas para o acompanhamento da hiperplasia e ajuste da dosagem do corticoide.
GENITOPLASTIA FEMINIZANTE
Quando tinha cerca de 1 ano de idade, Céu passou por uma cirurgia de redesignação sexual, na qual ocorreu uma mutilação genital, devido a ter nascido com um aumento do clitóris, onde foi realizada uma clitoroplastia e amputação de todo o tecido esponjoso e glande do órgão, sobrando apenas o feixe do nervo principal onde o mesmo foi embutido. Ao longo do tempo, essa cirurgia resultou em diversos problemas físicos, como fibrose, estenose e perda de sensibilidade, além de desafios psicológicos, como ansiedade, depressão e crises de pânico, afetando-a desde a infância. Posteriormente, realizou sete cirurgias adicionais na tentativa de reverter a mutilação e melhorar sua qualidade de vida, porém sem sucesso. A última cirurgia, realizada em 2023 em São Paulo, proporcionou melhorias estéticas e uma ligeira melhoria na qualidade de vida.
JORNADA
Falecimento de sua irmã
Em 1992, nasceu sua irmã Shauana, também portadora de hiperplasia adrenal congênita, porém com uma forma mais grave da condição, a perdedora de sal. Infelizmente, devido à falta de atendimento médico enquanto aguardava o resultado do exame de cariótipo, Shauana, que também nasceu com genitália ambígua, faleceu 27 dias após o nascimento.
ATIVISMO
A jornada de Céu desde a adolescência até a vida adulta tem sido marcada por desafios, especialmente no que diz respeito à sua qualidade de vida sexual, fortemente impactada pelas cirurgias e pelo preconceito intersexofóbico dentro da comunidade lésbica. Seu ativismo começou aos 20 anos, inicialmente focado na conscientização sobre a hiperplasia adrenal congênita, expandindo-se posteriormente para abordar outras condições intersexo.
Atualmente, Céu é uma das principais vozes do ativismo intersexo no Brasil, participando de diversos meios de comunicação e palestras em universidades. Seu ativismo é destacado em sua página do Instagram, “Intersexualizando“, onde aborda temas relacionados às condições intersexo, qualidade de vida e advocacia.
CONQUISTA HISTÓRICA
Em julho de 2021, Céu iniciou um processo pela Defensoria Pública do Estado de Pernambuco para retificar o nome e o sexo em sua certidão de nascimento, buscando o reconhecimento como pessoa intersexo. Após quase três anos de espera, obteve uma decisão favorável da juíza em fevereiro de 2024, concluindo o processo de forma positiva. Essa conquista visa não apenas reconhecer a existência de pessoas intersexo no sistema brasileiro, mas também promover mudanças nas políticas públicas relacionadas aos direitos e à qualidade de vida dessas pessoas.
Com essa vitória, Céu espera que haja um maior destaque para as políticas públicas voltadas para pessoas intersexo e que sua história ajude a conscientizar a sociedade sobre a diversidade de corporalidades biológicas além do binarismo de gênero tradicionalmente estabelecido.
TRANSFORMANDO VIDAS ATRAVÉS DA FOTOGRAFIA
Sua jornada como fotógrafa teve início em 2013, explorando o universo dos retratos infantis, gestantes e moda. No entanto, ao longo do tempo, sua paixão pela arte e pelo ser humano a conduziu a uma direção mais ousada e reveladora. Em 2016, embarcou em uma jornada de fotografia artística e vivências corporais, o que culminou no nascimento do projeto “porElas“, uma celebração da força e beleza feminina em todas as suas formas.
Em 2020, no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, Céu teve sua primeira conta do Instagram do projeto “porElas” censurada e excluída pela plataforma. A conta contava com quase 50 mil seguidores. Após o episódio, Céu criou uma nova conta na qual alimenta semanalmente com imagens do projeto e divulgação de agendas, mantendo viva a missão e o propósito do “porElas”. A nova conta tornou-se um espaço dedicado não apenas à arte fotográfica, mas também à luta contra a censura que as redes propagam sobre corpos e mamilos femininos.
No mesmo ano, impulsionada por uma busca incessante por inclusão e representatividade, deu vida ao projeto “Elus”, que visa captar a essência de pessoas masculinas e não binárias, mostrando a riqueza e diversidade de suas histórias e experiências.
Através de suas lentes, Céu busca não apenas registrar imagens, mas também transmitir emoções e contar histórias que possam inspirar e transformar a sociedade. Cada projeto, cada clique, é uma oportunidade de ressaltar a beleza única de cada indivíduo e promover uma reflexão sobre a importância da aceitação e do respeito à diversidade.
Por meio desses projetos, mais de 500 pessoas em 16 estados e mais de 20 cidades brasileiras já foram fotografadas e impactadas positivamente.
Com seu portfólio diversificado e repleto de histórias cativantes, está empenhada em expandir horizontes e levar sua arte a novos patamares. Através da fotografia, busca inspirar, educar e promover a importância da representatividade em nossa sociedade. Seus ensaios fotográficos visam transmutar e oferecer à pessoa fotografada uma nova perspectiva sobre si mesma. Cada imagem capturada é uma oportunidade de elevar a autoestima e promover uma jornada de autodescoberta e empoderamento.
Para complementar esse trabalho de impacto emocional, nas redes sociais, as fotografias são sempre acompanhadas de textos profundos que exploram sentimentos e a relação com a autoestima. Dessa forma, as imagens e as palavras se unem para criar um espaço de reflexão e conexão com os espectadores, incentivando-os a abraçar sua
própria individualidade e aceitar-se plenamente. Com os projetos “porElas” e “Elus“, tem a honra de poder contribuir para uma sociedade mais acolhedora e inclusiva, onde cada indivíduo pode se sentir verdadeiramente valorizado e amado. Sua arte fotográfica é uma forma de empoderar e transformar vidas, e está determinada a continuar esse trabalho, alcançando cada vez mais pessoas e inspirando-as a amar a si mesmas, exatamente como são.
Sua vida e trabalhos têm sido tema de teses acadêmicas e publicados em importantes meios de comunicação como Mídia Ninja, Girlgaze, Diário de Pernambuco (Recife), Jornal do Comércio (Recife), Revista Trip (São Paulo), Jornalismo Júnior (São Paulo), RevistaShesWanderful (Meet the Brazilian Photographer Advocating for Women via Nude Photography) @sheswanderful, Revista NudaMag (Natural Bodies & Real Stories), e Revista Cosmopolitan Germany (Fotografia do projeto estapa página inteira da revista).
SOBRE PROJETOS
Palestras
Em 2018 e 2019, teve a honra de ser convidada para compartilhar sua experiência em duas palestras no Centro Universitário Maurício de Nassau. A primeira delas, intitulada “III Papo de Fotógrafo: A mulher por trás da fotografia”, ocorreu em 02 de outubro de 2018, no Auditório Roque de Brito, Bloco B. Já em 28 de novembro de 2019, participou do “Debate Uninassau: Ensaios fotográficos temáticos”.
Exposição Fotográfica
Em 2023, Céu teve o privilégio de ter suas obras em destaque em uma renomada exposição na Casa 1, em São Paulo. Intitulada “A Pele Que Habito”, a mostra representou uma oportunidade ímpar de compartilhar sua visão artística com o público. Realizada até o dia 8 de novembro, no Galpão Casa 1, situado na Rua Adoniran Barbosa, 151, no bairro Bela Vista, esta exposição foi cuidadosamente planejada e recebeu um amplo reconhecimento.
Com uma curadoria criteriosa, foram selecionadas 23 fotografias que representam o trabalho de oito anos de dedicação e criatividade de Céu. Cada imagem foi escolhida minuciosamente para transmitir a essência e a profundidade de sua arte. Durante o período da exposição, centenas de visitantes tiveram a oportunidade de apreciar e se conectar com as obras, contribuindo para um ambiente vibrante e enriquecedor.
“A Pele Que Habito” não apenas destacou o talento de Céu como fotógrafa, mas também proporcionou uma experiência envolvente e reflexiva para o público. Através de suas imagens, Céu compartilhou histórias, emoções e perspectivas únicas, convidando os espectadores a explorarem as complexidades da condição humana e da identidade.
Esta exposição marcou um momento significativo na trajetória de Céu, consolidando seu lugar no cenário artístico e ampliando seu alcance como criadora visual. Ao compartilhar sua arte com o mundo, Céu inspirou e emocionou aqueles que tiveram o privilégio de vivenciar sua exposição.
CAUSA ANIMAL
Céu e sua mãe têm dedicado duas décadas ao nobre trabalho de resgatar e encontrar lares amorosos para animais de rua na cidade do Paulista, onde a mãe de Céu reside atualmente. Juntas, desempenham o papel de verdadeiras protetoras dos animais, investindo tempo e esforço para garantir cuidado e afeto a esses seres indefesos. Ao longo dos anos mais 300 animais saíram das ruas e conseguiram uma família.
Além disso, Céu tem a felicidade de compartilhar sua vida com uma grande família de animais. Em sua casa, convive com 14 gatos, todos resgatados em situação de rua, e duas adoráveis cachorrinhas: Nina, resgatada em 2019 já adulta das ruas, na época com câncer TVT e doença do carrapato. Após sessões de quimioterapia e tratamento para a doença do carrapato, ela ficou curada. Paloma, resgatada em 2022 também adulta, é portadora de leishmaniose, e acredita-se que por isso foi abandonada. Atualmente, ela recebe tratamento no laboratório de doenças parasitárias da UFRPE, onde sua saúde está equilibrada apesar da doença. Esses animais trazem alegria e companheirismo ao seu dia a dia. No entanto, em 2023, sofreu a dolorosa perda de Lisa, sua filha canina de 12 anos, que faleceu vítima de câncer em estágio avançado.
É fundamental destacar que sua mãe, além de ser uma incrível parceira nessa jornada, é uma apaixonada defensora dos animais. Sua dedicação tem sido crucial para expandir o trabalho, cuidando atualmente de 30 gatos e 7 cachorros, demonstrando um compromisso inabalável com o bem-estar desses seres tão especiais.
Ser protetora de animais é mais do que uma simples tarefa, é uma missão repleta de significado e propósito. Embora demande uma considerável responsabilidade, essa
jornada proporciona uma oportunidade ímpar de efetuar uma verdadeira transformação na vida desses seres tão especiais. É a chance de intervir e alterar o destino desses animais, proporcionando-lhes a oportunidade de encontrar um lar amoroso e uma família dedicada que lhes ofereça o cuidado e o carinho que merecem.
Ao dedicar-se a essa nobre causa, não apenas se está melhorando a vida dos animais resgatados, mas também se está contribuindo para a construção de uma sociedade mais compassiva e empática. Cada esforço, por menor que pareça, faz uma diferença significativa no bem-estar desses seres indefesos, proporcionando-lhes uma segunda chance para viver uma vida plena e feliz.
Foto: Evento de adoção realizado no mix matheus de casa caiada-Olinda, pelo projeto Ronda Pet.
Apoie a ABRAI
Para manter os seus canais de informação, oferecer cursos e palestras ou ajudar diretamente pessoas Intersexo em situação de fragilidade física e psicológica, a ABRAI precisa de fundos. Veja como ajudar.