CARTA ABERTA AO CREMESE

Pela despatologização e uma saúde crítica, inclusiva e aliada aos movimentos sociais.

29 de abril de 2025 | Direitos, Imprensa, Notícias | por Dionne Freitas

Ao Conselho Regional de Medicina de Sergipe (CREMESE),

A Associação e Movimento Sergipano de Transexuais e Travestis (AMOSERTRANS), a ONG Mães pela Diversidade, a Associação Brasileira Intersexo (ABRAI SE), O Afronte! Sergipe, a Associação de Travestis Unidas na Luta pela Cidadania (UNIDAS), o Centro Acadêmico de Medicina Dr. Augusto César Leite (CAMED), o Centro de Referência em Direitos Humanos LGBTI+ de Sergipe, o Coletivo Quilombo, a Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (DENEM), o Diretório Central dos Estudantes da UFS, a Frente Livre Tobias Barreto da UFS, a Mandata da vereadora Sonia Meire (PSOL/SE), a Mandata da Deputada Estadual Linda Brasil (PSOL/SE), o Movimento Negro Unificado (MNU), o Projeto REMONTA e a Rede de Mulheres Negras de Sergipe vêm, por meio desta carta aberta, expressar sua profunda preocupação e indignação com a publicação da Resolução do CFM nº 2.427/2025, que regulamenta o atendimento médico às pessoas trans e travestis e convocar o CREMESE a refletir, junto ao CFM, sobre seu papel na construção de uma saúde crítica, inclusiva e comprometida com os direitos humanos.

A resolução em questão, ao passo que reforça práticas patologizantes das identidades trans e travestis, representa um retrocesso histórico e ético. Ao condicionar o acesso a bloqueadores hormonais, hormonioterapia cruzada e cirurgias de afirmação de gênero a critérios restritivos e burocráticos, o Conselho Federal de Medicina desconsidera as evidências científicas e ignora as demandas legítimas de uma população que já enfrenta barreiras estruturais no acesso à saúde. A vedação ao uso de bloqueadores hormonais para menores de idade e a proibição de cirurgias antes dos 21 anos, em casos de potencial efeito esterilizador, exemplificam claramente o quanto essa normativa negligencia o sofrimento e a urgência vivenciados por pessoas trans e travestis.

As diversas instituições que aqui subscrevem reafirmam que a saúde das pessoas trans não pode ser tratada como um privilégio ou como um favor condicionado a avaliações psiquiátricas prolongadas e arbitrárias. A identidade de gênero não é, e nunca foi, um transtorno mental. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já reconheceu este fato ao retirar a incongruência de gênero da lista de transtornos mentais na Classificação Internacional de Doenças (CID-11), desde o ano de 2019. Persistir na patologização dessas identidades é perpetuar preconceitos e violências que colocam em risco a vida e a dignidade de pessoas trans e travestis.

A saúde crítica e inclusiva que defendemos é aquela que reconhece as pessoas trans e travestis como sujeitos de direitos, capazes de decidir sobre seus próprios corpos e trajetórias. É aquela que se alia aos movimentos sociais, escuta as vozes das populações marginalizadas e constroi práticas médicas baseadas no acolhimento, na empatia e na ciência.

Convocamos o CREMESE a se posicionar contra essa resolução e a assumir um papel ativo na promoção de uma saúde que não discrimine, que não exclua e que não perpetue violências. É urgente que os conselhos regionais de medicina se tornem aliados na luta pela despatologização das identidades trans e travestis, contribuindo para a construção de políticas públicas que garantam acesso integral e digno à saúde.

Afirmamos que a Resolução CFM nº 2.427/2025 representa uma grave violação a preceitos constitucionais e a tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário. Ao restringir o acesso de crianças e adolescentes trans a tratamentos de saúde reconhecidos mundialmente como essenciais à sua dignidade, bem-estar psíquico e autodeterminação, a resolução afronta os princípios da igualdade, da não discriminação e do direito à saúde integral, previstos na Constituição Federal (art. 5º e art. 196), no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), bem como em convenções como a Convenção Americana de Direitos Humanos, os Princípios de Yogyakarta, as Normas de Atuação da Associação Profissional Mundial para a Saúde Transgênero (WPATH) e o Relatório sobre pessoas transgêneras e gênero-diversas e seus direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Tais restrições, ao desconsiderar evidências científicas e os avanços da medicina baseada em direitos, reforçam práticas excludentes e patologizantes, incompatíveis com o compromisso do Estado brasileiro com a promoção de uma saúde pública universal, equitativa e livre de preconceitos.

Por fim, reafirmamos nosso compromisso com a luta pela garantia de direitos e pela construção de uma sociedade na qual todas as pessoas possam viver com dignidade, respeito e liberdade. A saúde é um direito humano e não pode ser negada ou condicionada por preconceitos ou interesses políticos.

Aracaju, Sergipe, 24 de abril de 2025

Apoie a ABRAI

Para manter os seus canais de informação, oferecer cursos e palestras ou ajudar diretamente pessoas Intersexo em situação de fragilidade física e psicológica, a ABRAI precisa de fundos. Veja como ajudar.