Ativista intersexo Dionne de Freitas é considerada inapta para trabalhar após ser aprovada em concurso público

Candidata aprovada no concurso para Terapeuta Ocupacional é desclassificada após entrevista médica, levantando questões sobre critérios de avaliação.

20 de maio de 2024 | Publicações | por ABRAI
Foto: Arquivo Pessoal

Dionne do Carmo Araujo Freitas, aprovada no Concurso Público – Edital Nº 05/2023 para o cargo de Terapeuta Ocupacional, foi convocada pela Secretaria Municipal da Administração de Ribeirão Preto para a avaliação de candidatos inscritos na condição de pessoa com deficiência. A entrevista ocorreu no dia 4 de abril de 2024, às 13h30, na Rua Mariana Junqueira, 903 – Centro. Após a avaliação, Dionne foi surpreendentemente excluída do processo, sem justificativa clara.

Durante a entrevista, Dionne informou que possui condições singulares relacionadas à neurodiversidade. Ela também explicou suas dificuldades com cálculos, apoiada por um laudo que confirma uma deficiência hipofisária e hipotalâmica decorrente de seu estado intersexo. “Expliquei isso detalhadamente e mencionei que tenho dificuldades de interação, mas que consigo expressar bem meus sentimentos. Se não gosto de algo, mantenho respeito e profissionalismo. Ter dificuldade não significa que não tenho capacidade de interagir. Eles queriam saber de tudo porque estava no laudo. Disse que me dou super bem com as pessoas e tento manter a paz, mesmo quando não tenho muito contato com elas.

Os médicos perguntaram sobre sua saúde e experiências de trabalho, incluindo seu tempo no CAPS e no CTI, onde trabalha atualmente e gosta muito. Eles questionaram em que área ela não gostaria de trabalhar, e Dionne mencionou que prefere não trabalhar com crianças, por ser uma área que apresenta mais dificuldades. Ela explicou que se sai bem em outras áreas, como demonstrado por seus seis anos de experiência, totalizando dez anos no total.

A entrevista tomou um rumo desconfortável quando uma enfermeira perguntou sobre sua genitália. “Expliquei que fiz um procedimento cirúrgico, mas que sempre me vi como uma pessoa normal. Um médico comentou que queria saber mais sobre isso e se isso atrapalharia meu trabalho, enquanto outro insistiu que minha condição causava problemas de saúde, perguntando se alguma vez eu já havia sido afastada. Respondi que a única vez que me afastei foi para realizar minha cirurgia, mas nunca precisei me afastar pelo INSS por outra questão.” Outro médico insistiu que sua condição poderia causar problemas neurológicos e cardiovasculares. Dionne destacou que, embora tenha tendência a certos problemas de saúde, se cuida rigorosamente, faz exercícios regularmente e toma suas medicações.

Depois, os médicos começaram a perguntar sobre sua infância, questões relacionadas à genitália e se havia passado por situações difíceis na escola. “Só de perguntarem isso, me fez lembrar de situações de abuso na escola, o que me fez chorar, tornando a entrevista muito pesada.

Em seguida, um médico questionou se Dionne dirigia sozinha e pediu para ver sua carteira de habilitação. Mesmo após mostrar a carteira pelo aplicativo, o médico continuou a duvidar de suas condições.

Dionne explicou suas dificuldades como pessoa neuroatípica, mas também suas potencialidades, como o hiperfoco em biologia e humanidades. Apesar disso, a insistência do médico em questionar a veracidade de suas condições resultou na sua exclusão do concurso, deixando-a confusa e sem entender os critérios usados para essa decisão.

A situação de Dionne levanta questões sobre os critérios de avaliação para candidatos com deficiência e a necessidade de processos mais transparentes e inclusivos.

Após a exclusão sem justificativa, Dionne entrou com um recurso no dia 29 de abril, garantindo sua inscrição como pessoa PCD, conforme os critérios estabelecidos pelo edital descritos no subitem 4.3. O edital considera como pessoas com deficiência aquelas que se enquadram nas categorias discriminadas no artigo 4º do Decreto Federal nº 3.298, de 20/12/1999, alterado pelos Decretos Federais nº 5.296, de 02/12/2004, e nº 9.508, de 24/09/2018, além da Súmula 377 do Superior Tribunal de Justiça. Com base na documentação entregue durante sua inscrição, sua condição foi validada, garantindo sua participação como candidata PCD para todos os processos previstos nas regras do edital.

No dia 6 de maio de 2024, a Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto, Estado de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal da Administração, divulgou o Edital de Divulgação de Resultados do Concurso Público nº 005/2023, indicando novamente o pedido de Dionne do Carmo Araújo Freitas, inscrição 61008, como indeferido. A Prefeitura, no uso de suas atribuições legais, por meio da RBO Assessoria Pública e Projetos Municipais Ltda., tornou público o resultado do recurso em razão da divulgação dos resultados das avaliações dos candidatos inscritos na condição de Pessoa com Deficiência do Concurso Público 005/23.

Nota da bancada do PSOL:

A bancada do PSOL e a co-deputada estadual Carolina Iara estão entrando com uma ação no Ministério Público para solicitar a investigação da Prefeitura de Ribeirão Preto pela desclassificação de Dionne do Carmo Araújo Freitas, aprovada em concurso público.

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